Como Raça Eleita, o ser humano foi regenerado por Deus, recuperando a antiga natureza divina que fora perdida no Éden. Agora, uma nova criatura, transformada, à imagem e semelhança do Criador e escolhida, antes da fundação do mundo, para andar conforme a vontade de Deus e glorificar o Seu Nome. Mas o cristão não é somente uma geração predestinada pelo Eterno. Há um sentido em sua eleição. Toda nova criatura foi chamada para ser, mediante o Senhor Jesus Cristo, sacerdote e rei.
2. Nós somos Sacerdócio Real:
O substantivo "sacerdócio" (hierateuma), em 1Pedro 2:9, tem o sentido de "corpo de sacerdotes" e o adjetivo "real" (basileios) possui a conotação de "pertencentes a realeza", isto é, membros da nobreza, tais como príncipes ou reis. O significado dessa expressão não aponta para uma ordem especial de crentes, e sim, para toda a Igreja de Cristo. Não há um grupo especial de crentes, cuja função seja exercer o sacerdócio real, pois TODOS nós, em Cristo, somos sacerdotes e reis. E por qual razão o Corpo de Cristo tem essa função? Ora, porque, conforme profetizado pelo profeta Zacarias, Jesus, o messias e cabeça da Igreja, detém estes dois ofícios:
Assim disse o Senhor dos Exércitos: Eis aqui o homem cujo nome é Renovo; ele brotará do seu lugar e edificará o templo do Senhor. Ele mesmo edificará o Templo do Senhore será revestido de glória; assentar-se-á no seu trono, e dominará, e será sacerdote no seu trono; e reinará perfeita união entre ambos os ofícios. (Zc 6:12-13)
Jesus Cristo é o sumo sacerdote segundo a ordem de Melquisedeque (Sl 110:4). Há uma tipificação deste como o Messias: o seu nome significa "rei de justiça"; não tem genealogia, enfim é eterno, permanecendo perpetuamente (Hb 7:1-3). Enquanto, os sacerdotes levitas descendem de Arão, um homem, natural, imperfeito, corrupto e temporário, uma ordem fundamentada na Lei de Moisés; o sacerdócio de Melquisedeque é celestial, perfeito, santo, sem princípio e nem fim, foi alicerçado pela graça de Deus cuja base é Pedra Angular, a qual é o Verbo de Deus. Os sacrifícios dos filhos de Levi eram transitórios, obrigatoriamente contínuos, e, assim, ineficazes para remover os pecados do povo (Hb 10:1-4); o sacrifício de Cristo é único e plenamente eficaz para purificação, justificação e santificação de todos aqueles crêem em Seu Nome! Por conseguinte, Cristo é o Mediador da Nova Aliança, uma substituição perfeita de uma lei obsoleta e incapaz de salvar a humanidade (Hb 9:11-15). Não obstante, além de seu papel sacerdotal, após cumprir o própósito da redenção, Cristo assentou-se à destra de Deus Pai (Ef 1:20-22), sendo concedido ao Filho, toda a autoridade para reinar sobre os Céus e a terra, sujeitando todas as coisas sob Seus pés. Logo, além de sacerdote, Cristo é o Rei dos Reis e Senhor dos Senhores (Ap 19:16).
Tendo pois, irmãos, ousadia para entrarmos no santíssimo lugar, pelo sangue de Jesus, pelo caminho que ele nos inaugurou, caminho novo e vivo, através do véu, isto é, da sua carne, e tendo um grande sacerdote sobre a casa de Deus, cheguemo-nos com verdadeiro coração, em inteira certeza de fé; tendo o coração purificado da má consciência, e o corpo lavado com água limpa, retenhamos inabalável a confissão da nossa esperança, porque fiel é aquele que fez a promessa (...) (Hb 10: 19-23)
Por intermédio do sacrifício de Jesus, todo crente tem livre acesso a Deus. Como membros do Corpo de Cristo, todo filho de Deus é sacerdote e rei, conforme se referiu o apóstolo João no livro de Apocalipse: "àquele que nos ama (Jesus), e pelo seu sangue, nos libertou dos nossos pecados, e nos constitui reino (ou reis) e sacerdotes para o seu Deus e Pai (...)" (Ap 1:5b - 6a). Ora, qual o papel do sacerdote e do rei?
O que é ser um sacerdote? Sacerdote é aquele que ministra diante de Deus, oferecendo algo sagrado ou sacro (do latim sacru), ou seja, sacrifícios, ofertas solenes consagradas à divindade. O próprio termo "sacerdote" é a junção da palavra latina "sacer" (sagrado) com o verbo grego "dot" (oferecer). O sacerdote é alguém que dedica a sua vida a Deus, é um homem separado para servir a Ele em Seus tabernáculos. Na velha Aliança, os sacerdotes levitas não tinha participação na divisão das terras pelas tribos de Israel, a sua herança era o próprio Deus (Nm 18:20)! Semelhantemente, a herança do justo é o Senhor, assim como declarou o salmista: "O SENHOR é a porção da minha herança e do meu cálice; tu sustentas a minha sorte" (Sl 16:5). No Novo Testamento, o crente oferece sua própria vida como sacrifício santo e vivo a Deus (Rm 12:1) e a seus irmãos espirituais (Fp 2:17).
Como se consagrava o sacerdote na antiga aliança? Em Êxodo, no capítulo 29, há uma descrição clara dos eventos que compunham essa consagração. Os sacerdotes levitas eram separados para este ofício mediante uma cerimônia que consistia no sacrifício de três animais: um novilho (touro jovem) e dois carneiros. O novilho era sacrificado diante de toda tenda da congregação de Israel e o seu sangue era derramado no altar. Suas entranhas e gordura eram queimadas lá e o restante da carne fora do arraial. Esta era a oferta pelo pecado dos sacerdotes. Em seguida, era sacrificado o primeiro carneiro; seu sangue derramado no altar, sua carne era partida, suas entranhas lavadas e, todo o animal era queimado (uma oferta de aroma agradável a Deus) sobre o altar, como holocausto ao Senhor. Por fim, o último animal (o outro carneiro) era imolado e o seu sangue posto na ponta da orelha direita, no polegar da mão direita e no polegar do pé direito de cada um dos sacerdotes a serem consagrados. O restante do sangue era derramado sobre o altar e aspergido sobre aqueles homens. A gordura, entranhas e parte da carne eram queimadas em oferta a Deus, como sacrifício pacífico. Contudo o restante de sua carne era porção dos sacerdotes para que servir-lhes de alimento.
Todavia, o que esse texto tem a ver com o cristão dos dias de hoje? A bíblia diz que a lei (escrituras) é "sombra dos bens vindouros" (Hb 10:1), ou seja, uma imagem simbólica do que haveria de acontecer na nova aliança planejada e executada por Deus. Em primeiro lugar, assim como o novilho era o animal mais caro para os israelenses daquela época, Deus sacrificou seu único filho a favor dos pecadores, um custo altíssimo para o criador. Ele foi sacrificado como oferta para remoção do pecado, na cruz do calvário, fora da cidade de Jerusalem, em um lugar chamado Gólgota, isto é, fora do arraial (Jo 19:17; Hb 13:12). Através de sua morte cumpriu a vontade de Deus, sendo o seu sacrifício agradável aos olhos do Pai. O Seu sangue foi aspergido nas vestes de todos os crentes, a comunhão do homem com Deus foi restaurada - o verdadeiro sacrifício que nos levou à paz:
Bem-aventurados aqueles que lavam as suas vestes [no sangue do Cordeiro] para que tenham direito à arvore da vida, e possam entrar na cidade pelas portas. (Ap 22:14)
Agora, como sacerdotes, os cristãos podem ouvir a Deus (sangue na orelha direita); fazer as obras que Ele preparou de antemão para que andássemos nelas (sangue no polegar da mão direita); e, principalmente, da mesma forma como era no princípio da criação, podemos agora caminhar em companhia de nosso Criador, Deus e Pai. Por sermos parte da família de Deus e co-herdeiros com Cristo, temos direito a participar da mesa e comer da árvore da vida, o Cordeiro de Deus, Jesus, o pão da vida!
Entretanto, como crentes, somos mais que sacerdotes, somos reis! Toda a Igreja é chamada a reinar com Cristo, sendo participantes de sua autoridade e da grande comissão (Mt 28:18-19; Mc 16:15-18; Ef 1:22-23). Há exemplos de grandes reis na bíblia, como Davi, Salomão e Josias. E existe uma semelhança entre eles, algo que é um mandamento de Deus para todos os soberanos da terra, esta é a vontade de Deus, revelada a Nabucodonosor, pela boca do profeta Daniel:
Portanto, ó rei, aceita o meu conselho, e põe fim aos teus pecados, praticando a justiça, e às tuas iniqüidades, usando de misericórdia com os pobres, pois, talvez se prolongue a tua tranqüilidade. (Dn 4:27)
De modo similar, a rainha de Sabá reconheceu em Salomão a sabedoria de Deus para governar praticando o juízo e a justiça aos pobres e necessidados (2 Cr 9:8). Também o profeta Jeremias, inspirado pelo Espírito de Deus, declarou a Jeoquim, filho de Josias, rei de Israel:
Porventura reinarás tu, porque te encerras em cedro? Acaso teu pai (Josias) não comeu e bebeu, e não praticou o juízo e a justiça? Por isso lhe sucedeu bem; porventura não é isto conhecer-me? diz o SENHOR. (Jr 22:15-16)
Conhecer a Deus é praticar juízo e justiça para com os pobres e necessitados. Este é um mandamento que faz parte da responsabilidade explícita do rei. Como reino de sacerdotes, a Igreja de Cristo tem a função de trazer a Sua vontade à realidade natural pelas ações que desempenha tanto como indivíduos quanto como grupo. Não é coincidência que este papel constitui a única oração que Jesus ensinou a seus discípulos, o pai nosso: "(...) Venha o teu reino, seja feita a tua vontade, assim na terra como no céu (...)" (Mt 6:10). O Corpo de Cristo deve manifestar o reino de Deus na terra, mediante a prática da justiça e juizo. É este o mandamento do amor declarado por João em sua primeira epístola:
Nisto são manifestos os filhos de Deus, e os filhos do diabo. Qualquer que não pratica a justiça, e não ama a seu irmão, não é de Deus. Porque esta é a mensagem que ouvistes desde o princípio: que nos amemos uns aos outros. (...) Nós sabemos que passamos da morte para a vida, porque amamos os irmãos. Quem não ama a seu irmão permanece na morte. (..,) Conhecemos o amor nisto: que ele deu a sua vida por nós, e nós devemos dar a vida pelos irmãos. Quem, pois, tiver bens do mundo, e, vendo o seu irmão necessitado, lhe cerrar as suas entranhas, como estará nele o amor de Deus? Meus filhinhos, não amemos de palavra, nem de língua, mas por obra e em verdade. (1 Jo 3:10-11, 16-18)
Há dois níveis de relacionamento em que o cristão experimenta: o vertical e o horizontal. O relacionamento vertical é a comunhão com Deus e pode ser resumida pelo primeiro mandamento que diz: "Amarás, pois, ao Senhor teu Deus de todo o teu coração, e de toda a tua alma, e de todo o teu entendimento, e de todas as tuas forças" (Mc 12:30). Esta ordenança é o resumo dos primeiros cinco mandamentos da lei de Moisés a qual constitue o cerne do relacionamento com Deus. Este é a obrigação do sacerdote; sua total dedicação a Deus, oferecendo sua vida a Ele, entregando seu corpo como sacrifício de aroma agradável; sendo Ele a razão de sua alegria, força e esperança, estando Ele acima de toda vontade humana, ocupando o primeiro lugar das prioridades do crente: "Buscai antes o reino de Deus, e todas estas coisas vos serão acrescentadas" (Lc 12:31).
Por outro lado, há um relacionamento horizontal, estabelecido entre o cristão e seus semelhantes, pautada pelos mandamentos da segunda tábua da Lei (do sexto ao décimo) e simplificada pelo segundo mandamento, o qual é "amar o teu próximo como a ti mesmo" (Mc 12:31). Ora, para amar o próximo é essencial, a princípio, amar a si mesmo. Somente quando o filho de Deus aceita suas próprias fraquezas, reconhecendo no amor de Deus e em Sua generosa graça derramados, pela sua vida, a verdadeira força propulsora para praticar a justiça, torna-se capaz de amar as outras pessoas. E é esta a função principal do rei. Dedicar-se a todos aqueles que necessitem desse amor, como servo, manifestando o reino de Deus nesta terra, pois, como declarou o apóstolo Tiago, a fé sem obras (a prática desse amor) é morta, isto é, sem sentido algum (Tg 2:14-26).
Enfim, sacerdócio real não é uma função restrita a uma "elite de supercrentes". Todo o Corpo de Cristo tem como dever e privilégio ministrar a Deus, oferecendo-se a Ele como noiva ataviada e preparada para o casamento. Afinal, Cristo Jesus é a nossa porção e coroa da vida. E por sermos sacerdotes do Altíssimo e fiéis despenseiros de Seus mistérios (1Co 4:1-2; 1Pe 4:10) é necessária a manifestação desse amor ao próximo. Somente quando a Igreja assumir o papel de sal da terra(Mt 5:13) e luz do mundo (Lc 11:33-36), de sacerdote para Deus e rei diante do mundo, a vontade de Deus tornar-se-á verdadeiramente realidade!